30 de set. de 2009

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Escrever sobre felicidade. Qualquer uma.
Mas como posso agarrá-la se ela teima em desaparecer da minha vida como num passe de mágica? Gostaria tanto de arquitetar o plano perfeito para sequestrá-la de uma vez por todas: assim, nem me preocuparia em pedir resgate.
Se bem que podemos pedir um resgate de grande valor quando estamos melancólicos. Dias felizes só existem porque são antecedidos por dias tristes, ou tudo não passaria de marasmo. O que mais detesto é o marasmo, muito mais do que a tristeza ou a desilusão.
Falar de felicidade é também falar de tristeza. Todavia, não quero aqui relatar algum relacionamento urdido pelas saudades ou pelas mágoas. Serei mais egocêntrico.
É impossível ser feliz sozinho...”¹
Verdade. Ok, eu me rendo a esta verdade tantas vezes repetida numa novela de Manoel Carlos.
Enfim, outra sexta-feira à noite, mal esperava as horas passarem para que eu pudesse encontrar meus amigos. Vontade de dançar até desmaiar. Vontade de sorrir até chorar. Vontade de amar até... desabar! Três desejos facilmente realizáveis para qualquer gênio de lâmpada. Neste caso, lâmpada de luz negra, strobbles e algumas luzes coloridas. Algumas músicas que eu sussurrava bem baixinho para que ninguém soubesse que eu tinha um inglês sofrível, enquanto meu corpo se movia de acordo com as ondas acústicas que iam e vinham tal qual um mar de sensações que inundavam meu ser feito de praia. Naqueles dias, eu era tão litorâneo e permeável. Ah! Atualmente, meu corpo é bem menos plano, quase montanhoso.
A balada terminou relativamente cedo. Muito embora divertidíssima, não atingiu a quantidade de público esperada. Sem atitudes desesperadas, incitei aos amigos que continuássemos no apartamento em que eu morava, uma kitchenette localizada próxima dali. Ou seja, seria bem fácil levar os equipamentos, mesmo que não coubessem direito dentro da minha sala.
Três da manhã, já estávamos todos em meu humilde lar, empurrando o sofá para um lado, a estante para o outro canto, assim abrindo espaço para a nossa própria festa. Engraçado que o pessoal responsável pelo som não chegava. A impaciência tomava conta de nós até que um amigo notou que o interfone estava fora do gancho. Desfeito o mal entendido, éramos aproximadamente onze pessoas dentro de um cubículo.
Minha sala acabava de transformar-se numa boate de respeito, com direito a telão e toda a iluminação necessária. Dançávamos ao som de hits da década de 80 até à mais fina flor do eletrônico da época, com algumas pitadas de rock, porque não éramos de ferro. Entre Sucos Gummy² e outras bebidas, conseguíamos sentir o clima de sensualidade e de prazer enquanto nossos corpos quase se derretiam quando nos tocávamos despropositadamente.
Manhã de sábado e alguns se despediam. Tudo bem, era momento propício para descansar e conversar um pouco. Entre os que ficaram, o assunto predominante foi sexo. Mesmo que eu estivesse num meio heterossexual, a lascívia daquele instante não me permitia ficar excluído daqueles temas picantes. Um casal de amigos estava com um intenso desejo de realizar uma fantasia: fazer sexo anal no meu banheiro! Claro que os incentivamos até que eles se trancaram lá. Um outro casal foi para o quarto, enquanto o casal de amigos produtores dormia abraçadinho no sofá apertado. Restávamos eu e Laura, que insistiu em dançarmos um pouco mais.
De pouco em pouco, já nem dançávamos: nossos corpos se grudaram um ao outro enquanto nossas bocas, línguas e respirações se misturavam. Aquela celebração de vida que ocorria em meu apartamento ignorava até minha orientação sexual. Sim, eu já tinha plena consciência que era gay, mas tudo conspirava a sexo e eu já estava completamente entregue ao que desse e viesse. Não retive na memória o que deu e veio. Acordei de cueca, abraçado ao corpo dela, num dos colchões jogados no meio da sala. Engraçado que eu não esqueci de umas rimas que Laura repetiu tantas vezes enquanto estávamos somente conversando como bons amigos:
Ninguém me ama, ninguém me quer; ninguém me chama de Baudelaire...”
Eu devo ter chamado Laurinha de “minha doce Baudelaire”. Pior, se eu levar em conta de que tenho uma língua solta para pieguices românticas, nem duvido que eu, provavelmente, disse que a amava. Aquelas três palavrinhas mágicas (isto é, “eu te amo”) são facilmente extraídas de meus lábios. Não por causa da banalidade, mas sim porque eu não vejo sentido algum em guardar esse sentimento tão bonito mesmo que eu tenha certeza de que dure por tão pouco tempo. Amor deveria ser sentido e não ter sentido: é coisa para o presente e não um presente a ser dado em alguma data comemorativa ou circunstância futura.
Fim de tarde de sábado, todos já estavam de pé. Alguém foi à padaria e trouxe alguns pães e frios para beliscarmos. Gostosa aquela sensação de ter minha casa invadida por pessoas de quem eu gostava tanto. Ficamos um bom tempo assistindo a uma série de videoclipes no telão, enquanto um dos amigos se preparava para tocar numa Rave logo mais tarde. Parecia que chegávamos ao fim da festa.
Horas passando depressa e já estávamos com fome de novo. Alguém falou sobre pedir algo para comer. Eu, de súbito, disse que queria comer Laurinha, mas fui voto vencido. Ela, contudo, sorriu. Enfim, pedimos comida chinesa.
Depois da última refeição, ficamos dispostos a ajudar aos amigos produtores guardando toda aquela parafernália dentro de seu carro. A sala voltava ao seu cotidiano, assim como os outros cômodos da kitchenette.
Uma tristeza apertava meu peito a cada despedida. Beijos, abraços, apertos de mão, acenos soltos no ar. Então, sozinho de volta àquele apartamento, percebi que meu coração não queria mais saber de bater: só queria dançar, mesmo que não fosse conforme a música.
Naquela época, eu deveria tê-lo inscrito em alguma aula de dança de salão para que aprendesse a dançar com um par. Pois, verdade seja dita, é impossível ser feliz sozinho.

¹ Wave - Tom Jobim.
² Bebida preparada à base de vodca, qualquer tipo de suco em pó e bastante gelo (eu acho).

6 comentários:

Caco disse...

Muito Bom!

Coitado dos vizim seu, rsrs.

Caco disse...

Ah, agora eu tô ligado nas tags.

@JayWaider disse...

Ei Davi.
Gostei. to acompnhando. Eu ia te dar aquele selo tb. Mas como nem foi postado no meu blog ainda. Parábens pelo roteiro dos textos que esta excelente e pelo selo tb. Outros virão.
Bju

Theo disse...

Q delícia de texto!! Minha primeira vez aqui... e foi mto bom pra mim! hehe

No começo do texto, me lembrei de uma música em que o autor agradece ao ódio por ele existir, já que sem ele, não existiria o amor.

Ao longo da história, consegui meio q sentir a mesma alegria q vc deve ter sentido. Não tem coisa melhor q amigos, né???

Estou t linkando! Volto mais vezes... pra ler os outros posts!

Abço ^^

Well Bernard disse...

Que coisa heterossexual, mas e os seus vizinhos? Não reclamaram do barulho?

Cibelle disse...

Obrigada pela visita e pelo carinho!!! Já postei o selo. Beijos...

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Reino enquanto houver um Reino.

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Todas as pessoas mencionadas em meus textos tiveram seus nomes trocados para preservar a identidade alheia e minha integridade jurídica...
Afinal de contas, não quero ser processado!